Um projecto do São Luiz Teatro Municipal

comissariado por Alvaro García de Zúñiga, José Luis Ferreira & Teresa Albuquerque


Sessão 42 – Segunda 28 de Outubro de 2013 – Leitura dos capítulos 31 e 32 da Segunda Parte do Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha.


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Comentário:


“y aquel fue el primer día que de todo en todo conoció y creyó ser caballero andante verdadero y no fantástico, viéndose tratar del mesmo modo que él había leído se trataban los tales caballeros en los pasados siglos.” (II, 31)


Chegamos assim com Dom Quixote e Sancho por primeira vez a um verdadeiro castelo. E da-se o paradoxo que aqueles que fazem sentir “pela primeira vez” cavaleiro andante a DQ são os mesmos que, sem ele perceber, lhe dão o papel de protagonista numa gigantesca farsa de si próprio.


A frase aqui citada em epígrafe foi, ao longo dos tempos, alvo de inúmeras interpretações sobre as verdadeiras crenças de DQ e o grau de loucura que teria realmente o fidalgo; pondo em causa o facto que, no fundo, ele visse realmente castelos nas estalagens.


Seja qual for a intenção do autor, ele não deixa de precisar em detalhe que o acolhimento preparado pelos duques é idêntico aos que eram feitos aos cavaleiros nos livros de cavalerias, o manto de finíssima escarlata e as águas de cheiro derramadas sobre DQ são os primeiros sinais do escrúpulo com o qual os duques denunciam a sua total falta de. (Desculpe-se-me não ter resistido à utilização do zeugma, tão cervantina e a propósito, e diga-se de passagem que a palavra escrúpulo, etimologicamente significa uma pedra no sapato.) Aliás, o discurso da diferença entre ofensa e afronta que faz DQ no capítulo 32 pode ser entendido em parte como uma reflexão do próprio Cervantes sobre a atitude inescrupulosa dos duques.


O efeito que a recepção no palácio faz aos nossos cavaleiro e escudeiro é diametralmente oposto. Enquanto DQ “de todo em todo” acredita “ser cavaleiro andante verdadeiro e não fantástico”, Sancho, ao contrario, parece ficar perdido ou incomodado com o seu anonimato. E se damos por ele é pelo seu remorso de ter deixado só o jumento, o que dá lugar a um diálogo no qual a impertinência e a confusão dão lugar a todo um jogo humorístico que não exclui insultos e gestos obscenos. Mais à frente, ao recriminar Sancho pela sua reacção que ele pensa ser deliberada e não simplesmente inoportuna e descabida, DQ da sinais do seu medo de ser visto como um “charlatão ou um cavaleiro burlão”.


DQ quer estar a altura das circunstâncias, e Sancho, mais à vontade, parece percebê-las, pelo menos algumas delas, como deixa em claro ao contar o conto da cabeceira da mesa. Durante o conto, enquanto DQ fica claramente incomodado pelas digressões e voltas que dá Sancho tentando que este acabe o conto o mais rapidamente possível, a duquesa, por sua parte, anima-o a contá-lo à sua maneira, tal vez como se tentasse promove Sancho à posição de bufão da corte.

O capelão de certo modo faz o mesmo, mas desde um ângulo totalmente oposto: o que ele reprova nos convidados é estes transformarem-se nos bufões ducais e através deles, na terrível diatribe com que arremete contra DQ, o que censura mais que nada é a atitude dos próprios duques. E a resposta do nosso herói merece capítulo aparte.


DQ responde com uma vasta e retórica defesa da sua profissão, à qual mais à frente se virá a somar o protesto de Sancho, que por sua vez traz consigo o assunto pendente da promessa da ínsula, a qual, será prometida pelo duque. Tudo isto leva o eclesiástico a retirar-se, percebendo que “enquanto eles estiverem nesta casa, eu estarei na minha, e evitarei repreender aquilo a que não posso dar remédio”.


Com a burla da lavagem das barbas o que fica em evidência é a participação activa do pessoal do palácio, que a partir de agora não sempre será movida pelas instruções recebidas. A seguir, a duquesa faz a pergunta que era de esperar: será Dulcineia uma dama fantástica engendrada pelo seu amante na sua imaginação? À pergunta - que introduz a burla que ocupará os capítulos 34 e 35, referente ao desencantamento de Dulcineia -, DQ responde com prudência de um modo que poderíamos descrever como pré-cartesiano, parecendo considerar a existência de Dulcineia como o resultado da sua perfeição; e que é nesta perfeição que reside a sua essência, independentemente de quaisquer existir.


DQ assim, revela-se longe do mentecapto de que falava o capelão. O finíssimo retrato que faz de Sancho, que denuncia mais o “louco” renacentista que não o bufão profissional, dá-nos dele uma imagem que se enquadra dentro do preceito erasmiano de duvidar de tudo e tudo acreditar. A complexa honestidade de Sancho ver-se-à em cada uma das suas reacções aos últimos acontecimentos do capítulo: furioso e não resignado perante o ataque dos “pinches” de cozinha, modestamente agradecido perante a confirmação da ínsula. Podendo-se pensar até que Sancho já da sinais de vir a ser um excelente governador...

AGZ



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