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Revisão das 12h04min de 29 de Maio de 2007


K-Lear


Nota de Intenções


A ideia de levar ao ecrã o rei Lear não é original. No site do IMDB recenseamos pelo menos 16 filmes com esse nome, e isto sem contar com adaptações entre as quais podemos encontrar obras primas como Ran, de Akira Kurosawa.

Peter Brook, Andrew Mc Cullough, Michael Elliott, Jean-Luc Goddard, Konitzev e muitos outros inspiraram-se nesta peça e com actores como Orson Welles, Lord Olivier, Patrick Magee, James Earl Jones…

Nada de novo portanto em fazer uma nova versão. A não ser que será a primeira a ser feita em Portugal – o que já não é pouco – e que esta versão faz uma aproximação entre as noções de velhice, cansaço e loucura a problemas actuais e que dizem respeito a muitos de entre nós: o desemprego e o sentimento transmitido pelos poderes públicos nacionais e europeus de que se pode prescindir facilmente daqueles que fazem a cultura dos nossos tempos.


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No Verão passado William veio passar uns dias de férias a Lisboa. Tínhamos aliás alguns assuntos a resolver: na próxima temporada o William interpretará a minha « Conferência de Imprensa » no TNSJ, e íamos conversar sobre isso com Ricardo Pais. Nessa mesma temporada, outra peça, « radiOthello » (uma versão radiofónica de Othello sobre cena) – que tanto gosto me daria poder vir a montar em Portugal – será produzida pelo Theater am Neumarkt de Zurique, e nessa peça também vamos trabalhar juntos (ver dossier radiOthello). Para além disso estava também agendada para Janeiro de 2007 uma leitura de um outro dos meus textos : « Leitura de um texto para o teatro » que William e Maria de Medeiros leram no Centro Cultural Calouste Gulbenkian de Paris. Portanto a ideia de passar alguns dias de férias juntos era uma boa oportunidade para por em dia todos esses projectos e de falar, inventar e fazer muitos outros...

Nesses dias falámos de tudo. Desde a situação dos intermitentes em França à paralisia dos Institutos (e do resto) do nosso Ministério da Cultura, passando pela situação de dificuldade que sofre a criação actual em toda a Europa, onde se sente o pessimismo instalar-se com força.

Foi assim que nasceu a ideia de fazer um filme sobre King Lear. Queríamos há muito fazer qualquer coisa juntos em cinema e a ideia de falar metaforicamente da actualidade a través dos personagens de King Lear estava aí, ao nosso alcance, como que à nossa espera.


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No final das férias decidimos fazer um pequeno teaser, que nos permitisse testar entre nós um pouco do que poderia vir a ser o filme. Escolhemos duas cenas, as duas do primeiro acto: a primeira é um monólogo no qual Edmond – um dos personagens mais odiosos da obra de Shakespeare – reflecte sobre a sua condição de bastardo. Noutra o bobo da corte diz ao rei Lear que ao envelhecer sem ganhar juízo, é o rei que se torna o bobo. Gravámos estas duas cenas em miniDV com a ideia de provarmos a nós próprios que o projecto é viável.


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Shakespeare, tal como todos os autores do teatro elizabetano, não se caracterizava pelo respeito absoluto pelo texto. Tomavam bastante liberdades, cortando aqui, saltando ali, trocando a ordem das cenas quando isso lhes parecia útil. É um espírito que me agrada muito e que gostaria de reproduzir.

Por isso a versão de King Lear que servirá ao guião do filme não será totalmente respeitosa nem do Folio de 1623, nem dos dois Quartos que o antecedem (1608 e 1619).

Na mesma linha, o próprio argumento não será mais do que um instrumento de trabalho : durante a rodagem e a montagem do filme encontraremos provavelmente soluções diferentes – espera-se melhores e mais eficazes – para expressar e contar as ideias que propomos.


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Ran, em japonês, significa chaos. : penso que Kurosawa viu em Lear uma ruptura. No fim de Lear o que advirá é muito mais do que o fim de uma dinastia. É uma nova ordem : um mundo para o qual só conta a palavra escrita e a palavra “dada” conduz à perdição. É o caos, o declínio dos costumes e dos valores da sociedade tal como entendida até então.

Hoje também temos a impressão de viver outro fim de época. Os nossos valores e costumes parecem em vias de extinção e, na sobrecarga de (des)informação e na opacidade da transparência em que vivemos, o discurso democrático esvazia-se de conteúdo transformando-se num monstro. Como Lear e Gloucester criámos e alimentámos monstros prontos a nos destruir, a nós e aos nossos valores.

TAAGZ


K-Lear, longa-metragem

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