Um projecto do São Luiz Teatro Municipal

comissariado por Alvaro García de Zúñiga, José Luis Ferreira & Teresa Albuquerque


Sessão 55 – Segunda, 26 de MAIO de 2014, 21:00 – Leitura dos capítulos 62 e 63 da Segunda Parte do Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."


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Convidado : Fernando Vendrell


TEMA : tecnologias de comunicação


Queridos Quixotes,


Como vimos em anteriores sessões houve uma mudança de tom com a irrupção na história do apócrifo de Avellaneda, no capítulo 59. A partir daqui D. Qui não será o mesmo – Cervantes se calhar também não – mas aquilo que se perde (D. Qui est desarçonné par la réalité) transforma-se em nova matéria para nós leitores, densificando e potenciando ainda mais o alcance desta novela novelo.


Para desmentir o apócrifo D. Quixote muda de rumo de Saragoça para Barcelona. Nesta cidade é novamente acolhido numa casa rica, desta vez burguesa, na qual a fama precedeu o nosso Quixote e com ela a tentação dos respectivos hóspedes de testarem os nossos heróis com novas burlas. As novas burlas – DQ exibido em trajes ridículos na cidade perante os populares – com a encenação maldosa de uma falsa notoriedade – seguida da cena em que D. Qui é exposto socialmente por não saber dançar –, são sintomáticas da nova fragilidade do nosso cavaleiro.


Ao mesmo tempo que esta fragilidade toma conta de D. Qui, pré-anunciando um fim, surge curiosamente no mesmo capítulo a descrição de duas técnicas novas que permitem comunicar no espaço e no tempo : a cabeça encantada, antepassada do telefone, e a tipografia. Sentimos aqui subjacente um volte face curioso, uma espécie de fade out – fade in. D. Qui pode ser apeado ou desmentido pela realidade, mas sabe, ao mesmo tempo, que faz e fará parte da realidade subsequente sem limitação no tempo, nem no espaço. A sua realidade neste momento, é já uma realidade à distância, intocável e irredutível.


* * *


Voltando à decisão de ir para Barcelona : O ensaio de José Maria Paz Gago “As tecnologias de Comunicação no Quixote” , permite-nos adivinhar o motivo pelo qual essa era exatamente a cidade na qual, para o Cervantes-Quixote, o Avellaneda podia ser desmentido. Nesses tempos, como nos conta José Maria Paz Gago, Barcelona era a cidade emblemática da tipografia e segundo ele, “En ninguna otra ciudad podrea haberse producido este singular encuentro entre el personaje cervantino y la tecnologia que izo posible su creación y su fortuna editorial.”


Quixote é uma personagem literária consequência da invenção da tipografia é portanto nesta cidade - o primeiro centro peninsular da arte tipográfica - que melhor se podia defender e assegurar-se da “sua verdade”. Quixote veio ao seu verdadeiro berço mostrar a sua “existência”. E logo assiste à impressão do seu falso. Sem dúvida que Cervantes já tinha planeado, antes que lhe caísse nas mãos o apócrifo, a visita do Qui à tipografia. O facto de o seu personagem assistir e comentar a impressão do falso é mais um gesto que a meu ver mostra o ascendente natural, original, total do autor e da sua personagem sobre o usurpador mascarado. Cervantes nem se dá ao trabalho de fingir que ignora – o que seria já de si uma atitude digna – mas com elegância e ligeireza banaliza e reduz o outro à sua insignificância.


A coincidência da cabeça encantada, ou seja da voz sem corpo e da imprensa, ou seja da voz sem sopro, num mesmo capítulo não é seguramente casual. Lembremo-nos que Cervantes – na linha das novelas picarescas – tinha trazido a oralidade e os modos de falar das vozes populares para o terreno da escrita. Por isso tanto se diz que o Quixote é um livro para ler em voz alta, como fazemos nós. Cervantes captou o espírito de uma época e fixou-o com o meio que tinha à sua disposição, talvez lhe ficasse no fundo uma pequena tristeza de não poder fixar também os sons e o movimento, mas isso como sabemos teve de esperar mais alguns séculos.


* * *


Martín de Riquer, na sua leitura do capítulo 62 , chama a atenção para os descuidos e incongruências entre as datas reais das ações descritas e as relatadas por Cervantes, que começam no capítulo 60, como vimos na sessão passada. Poder ser um exercício fútil especular sobre os motivos destas incongruências, mas se aceitarmos que a construção de uma obra prima, como esta, assenta num sistema lógico e consciente de si, então de algum modo estamos autorizados a especular sobre estes detalhes e sobre o que eles nos podem dizer. A relação circular entre a realidade e a ficção está no cerne da obra cervantina, neste últimos capítulos porém, sentimos que provavelmente desencadeado pela “trauma” do Avellaneda, há um conflito interno entre estes dois planos. É nestes capítulos que surgem indicações concretas sobre dados concretos relativos a datas precisas e facilmente verificáveis, mas são falsas. Mas é também nestes capítulos que se reafirma com mais força a perenidade definitiva deste livro. Creio, para fazer curto, que o que o Cervantes nos diz é que não é nos detalhes que está a verdade. Quem está nos detalhes, como se sabe, é o diabo.


O nosso convidado desta sessão nº 55, também já esteve na nossa comunidade, é um quixotesco realizador e grande amigo: Fernando Vendrell.


Com esta são cinco as sessões que nos levam até ao fim deste livro.


SecondHand.jpg até Segunda !


Um forte Abraço


Teresa


25 de Maio de 2014


CAPÍTULO LXII

CAPÍTULO LXIII


Lectura del capítulo LXII Por Martín de Riquer


As Tecnologias da Comunicação no Quixote


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