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'''Comentario dos capítulos 50 e 51 da ''Segunda Parte do Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."'''''
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'''Comentario dos capítulos 52, 53 e 54 da ''Segunda Parte do Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."'''''
  
  
Nestes capítulos encontramos uma série de episódios curtos mas muito precisos dentro dos quais prima aquilo que poderíamos catalogar principalmente como fazendo parte da literatura epistolar. Já as acções das idas e vindas nocturnas da duquesa e das donas preanunciam que o assunto social e de classes – que marca presença ao longo de todo o episódio da governação – vai continuar a ser o tema dominante, e assim será uma vez fora do palácio ducal: No episódio aldeão, Teresa e Sanchica serão as protagonistas de todo um jogo de classes que vai percorrer todo o espectro social.  
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Estes capítulos finalizam a alternância dos anteriores dedicados a DQ ou a Sancho separadamente, e isto por sua vez preanuncia o próximo fim da estancia dos nossos heróis na corte dos duques.
  
  
A aventura na aldeia envolve a duquesa, presente através do seu pajem, que por sua vez é quem dá legitimidade a toda a situação. E no desenrolar da acção, aqueles que não estão presentes serão tão preponderantes como o são aqueles que sim participam nela, como Teresa, Sanchica, o cura e Sansão Carrasco.  
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O capitulo 52 como o anterior, começa com uma referencia a Cide Hamete que não parece significativa, mas que, de todos modos serve a que tenhamos presente quem é que está a narrar esta verdadeira história. Mais importante talvez seja o anúncio que DQ começa a meditar em abandonar o castelo e retomar o caminho da andante cavalaria.
  
  
Bom embaixador e mensageiro, o pajem – que nos já conhecemos por ter sido ele a dar corpo a Dulcineia, e estar no início de outra burla em curso, a que leva a Sancho a ter que dar-se três mil açoites para desencantar a senhora do Toboso – desde a sua aparição na aldeia se desfaz em tratamentos cavaleirescos e cortesãos, chamando de “donzela” a Sanchica e saudando com grande reverência a sua “Senhora Dona Teresa” dando-lhe trato de “vossa mercê”.
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Escrito um bocado ao modo dos próprios livros de cavalarias, nos quais a estadia num palácio serve como parêntesis das fantasiosas batalhas e para desenvolver neles as histórias de amor galantes, o modo de Cervantes, como sempre, altera o modelo mas sem deixar de referi-lo, com a aparição de duas mulheres viúva uma, órfã a outra, a pedir reparação e justiça. Trata-se da continuação do episódio de Dona Rodrigues, que parecia acabado e esquecido: agora a dona faz-se conhecer, e, cumprindo todos os requisitos do género, pronuncia um divertido discurso num estilo que calca aqueles que em semelhantes ocasiões se podem ler nos livros de cavalarias, não deixando de parte nem sequer os arcaísmos, isso sim, agora misturados com expressões vulgares que denunciam a verdadeira condição da demandante. O discurso, pode-se dizer, continua a sua descida e, ao chegar às cartas de Teresa Pança, talvez venha a assinalar a equivalência de classe entre estas mulheres.
  
  
Este traz duas cartas que ele mesmo lerá a Teresa, cada uma acompanhada de ricos presentes. A primeira, da qual já tivemos notícia no capítulo 37, é de Sancho e junto a ela vem o vestido de finíssimo pano verde que ele tinha usado e desgarrado no capítulo 34 durante o episódio da caça de montaria.
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A resposta de DQ não pode ficar atrás do tom e do estilo impostos pela dona e assim, num arranque emocional, eleva-se até equiparar-se com a divina providência, para logo rectificar o excesso e voltar a um tom um bocado mais de acordo com as circunstâncias. A exaltação fica em evidência no momento em que aceita rebaixar-se a combater com um vilão, coisa esta fora da ordem da cavalaria.
Da segunda, enviada pela duquesa, e que é acompanhada com um “maço” de coral como presente, teremos noticia ao mesmo tempo que Teresa. Nela, a duquesa, utiliza o modelo da falsa familiaridade e condescendência aristocrática, que a coitada da Teresa tomará ao pé da letra, crendo serem sinceros sinais de amizade igualitária o trato de “amiga” e “querida minha”, o que por sua parte dá lugar às suas reflexões sobre o comportamento e o trato das fidalgas da aldeia.
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De aldeã a governadora, só falta a Teresa vestir-se de dama para a sua vingança ser total e que surja efeito. Teresa é-nos apresentada com saia parda cortada por “vergonhoso lugar”, e a par de informar os “amigos” do bom sucesso com que foram coroadas as aventuras do seu escudeiro de marido baixo a tutela do cavaleiro Dom Quixote, o seu primeiro impulso é pedir a estes que a acudam para que se lhe compre um vestido em acordo com o seu novo estatuto. Em paralelo aos sonhos e delírios de mãe e filha que invertem em tudo a atitude sensata de Teresa no “apócrifo” capítulo 5 desta segunda parte, adivinha-se muito discretamente um fundo de desagrado no cura e no bacharel ao constatar a veracidade do sucesso obtido pelos dois aventureiros.  
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O duque vê mais uma ocasião que não desperdiçará para fabricar uma nova burla a partir desta inesperada e surreal realidade que se apresenta: prepara-se para a realização de um torneio, mas mais uma vez a acção fica suspensa pela chegada do pajem com as cartas de Teresa Pança. Estas cartas vêm em certo modo também fechar o conjunto epistolar anterior: a carta de Sancho a Teresa no cap.36; a do duque a Sancho no cap.47; a da duquesa a Teresa Pança no cap.50; e as de DQ a Sancho e a resposta deste no cap.51. Toda elas, comportam um certo grau de paródia ao género epistolar, naquele tempo muito apreciado pelos humanistas e os teóricos políticos e filosóficos. Também como nas novelas que contêm epístolas, as cartas servem de reflexão sobre as histórias ou episódios que nelas se inserem, mas nas de Teresa Pança, além destes aspectos paródicos evidentes, Cervantes desenha um quadro de costumes muito realista, desenhando a partir de uma grande sensibilidade social e, partindo da burla habitual que é feita aos rústicos, e não deixando de lado a ilusão e credulidade de Teresa e a sua filha, para chegar depois a outros aspectos da realidade quotidiana: o preço do pão e da carne, a carência de bolotas, a falta de azeitonas e de vinagre em toda a vila.
  
  
A elipse da carta de Sancho, a leitura da qual foi nos poupada por esta ter sido referida anteriormente, permite não relembrar ao leitor menos memorioso que o governador tinha determinado nela que a sua mulher andara de coche. Daí, provavelmente, a insistência de Teresa e Sanchica na obtenção e usufruto de um. Mas o assunto do coche remete para outras direcções que tocam às prerrogativas nobiliárias dos grupos sociais inferiores. A codificação da indumentária e demais privilégios de honorabilidade nobiliária, que se repetiu inumeráveis vezes entre 1530 e 1620, dá prova das transgressões constantes a que estava submetido todo o sistema de estatuto social. E isso toca em muito aquilo que refere aos coches e a sua regulamentação: Naqueles anos, o que mais estava em jogo era a ascensão a fidalguia de judaizantes, que, além de ter dado azo a alguns casos espectaculares, como o de dom Rodrigo Calderón satirizada por Góngora (1612) e muito provavelmente aludida por Lope no seu “Peribáñez”, tinha um efeito económico-social considerável além de estar na origem de uma mudança social que, uma vez começada, não teria volta atrás.
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Outra utilização que faz Cervantes do género epistolar diz respeito a um dos recursos mais importantes e característicos de sua escrita: a descrição dos mesmos feitos desde perspectivas diferentes e às vezes também diferenciadas segundo o destinatário a quem se vai contar. E mais correspondências vai estabelecer o autor a partir das notícias que dá Teresa e que parecem não ter muita importância, assim à do pintor que não domina a sua arte – pequena história moral, que não deixa de ter uma componente social e de classe – segue a das moças que foram levadas pela companhia de soldados, que não deixa de corresponder com o caso da filha de dona Rodrigues, mas que classe social de por meio, no caso das aldeãs pobres, não terá resolução de honra, como vai ter que ser o caso da filha da dona que foi seduzida pelo filho dum lavrador rico o qual apoia o duque.
  
  
No começo do capítulo 51, Sancho é confrontado com um exercício de lógica. A história da ponte e da forca não difere em muito do paradoxo do barbeiro que pouco mais de três séculos depois será um dos pilares do pensamento de Bertrand Russell, e, a partir deste de toda a lógica e a filosofia da linguagem determinante na história das ideias e de tudo aquilo que de melhor tem dado o século XX.  
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Cervantes ainda da eco ao sucesso de Sancho através de uma das cartas de Teresa e a seguir a este canto triunfal, muda de tonalidade com o lamento que põe na boca de Cide Hamete que nos adverte que nada perdura e que a vida humana não é mais que vaidade. E assim, durante a sétima noite do seu governo, o barulho da “rebelião” vai acordar duplamente a Sancho. Os gritos, os archotes acesos no meio da escuridão, e com o pretexto de equipá-lo para o combate, a sua imobilização, a queda e o caminharem-lhe por cima – coisas estas muito mais terríveis que o manteamento que tanto tinha feito sofrer o escudeiro e do qual tanto se tinha queixado e falado na primeira parte, dão lugar à decisão – esta sim, irrevogável – de abandonar o governo e a ínsula imediatamente, coisa que faz sem contemplações e sem seguir nenhuma das consignas que lhe são solicitadas, que aliás correspondem ao sistema de corregimentos da época. A resposta de Sancho é simples e contundente: ele não tem que aceitar nenhuma inspecção, porque vai-se embora tão pobre quanto chegou.
  
  
Dada a enorme quantidade de trabalhos de toda índole que surgiram ao longo dos quatro séculos que vão desde a aparição das aventuras de Dom Quixote, é curiosa a ausência de referência e de estudos relativos a esta “pergunta” que, além desta ligação que se pode estabelecer com o pensamento de Russell, Wittgenstein, Quine e filósofos mais actuais como Hilary Putnam, etc., também parece relacionar-se com Calvino e ao seu “visconte dimezzato”, primeira parte da quixotesca trilogia “I nostri antenati” que aliás culmina com um paradoxal “cavaliere inesistente”, verdadeiro Quixote da existência, do ser, o melhor, do querer ser. Fica aqui o desafio aos cervantistas actuais e futuros atacar-se a este aspecto, que, apesar de fugaz, não deixa de ser um assunto maior e com muito para dizer ao respeito.
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Ridiculizado e até cosificado não só pelos seus “governados” senão até pelo narrador, pode-se ler entrelinhas uma visão espiritualista que transfigura o fracasso em trunfo: ao chegar o sétimo dia Sancho vai ter finalmente direito ao repouso. Com humildade, com santidade até, abandona o poder terreno, renuncia à ambição mundana e mostra-se assim finalmente sublime, não só pela sua renúncia, Senão pela sua actuação como provedor de justiça, muito por cima da dos governantes da realidade: Sancho não se enriqueceu.
  
  
Sancho já não suporta mais o jejum ao qual o temível médico de Tirteafuera o submete, com isto começamos a apercebe-nos, através de indícios cada vez mais claros que se aproxima o fim da experiencia de governação, e por conseguinte, como é lógico imaginar, de todo o período palaciano de Dom Quixote.
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Além da utopia carnavalesca que representa todo o episódio de Barataria, o desenlace também pode ter uma leitura militar: Bom juiz e administrador, Sancho mostra-se mau capitão, incapaz de enfrentar-se com uma rebelião armada. Confirmando nesse sentido a ideia expressa por DQ no seu famoso discurso da primeira parte (I, 37-38), no qual diz que o valor guerreiro é insubstituível. A colisão entre o enfoque da utopia carnavalesca e o discurso das armas e das letras, inclusivamente quando a renúncia de Sancho significa um regresso à ordem normal das coisas, representa uma certa mordacidade satírica contra o afã de lucro frequente e também contra a pretensão dos letrados da época de usurpar cargos que, segundo DQ e o próprio Cervantes correspondem aos próprios soldados.  
É a distancia entre ínsula e palácio ducal que põe em evidencia o recurso à literatura epistolar.  
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Entrelaçando episódios e acontecimentos ocorridos em lugares distintos teremos um último intercâmbio de correspondência entre Dom Quixote e Sancho na qual se aludirá ainda à que existiu entre a duquesa e Teresa Pança. Depois  dos sábios conselhos com que o cavaleiro ainda brinda ao seu escudeiro, este, na sua carta, prova ter-se adiantado aos conselhos, tendo já começado a adoptar medidas administrativas que “até hoje se cumprem naquela vila e se chamam: As constituições do grande governador Sancho Pança.” O que é normal, se pensarmos que, neste tão pouco comentado episódio da ponte e da forca, Sancho chega ao cúmulo da sua clarividência. O enigma que lhe é apresentado é, de longe, muito mais subtil que os retortos pleitos que até então lhe tinham submetido, e, claro, aparenta-se muito às aporias tão apreciadas pelos gregos.
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De todos modos encontramo-nos no momento mais alto da evolução de Sancho como pessoa. Ele acaba de mostrar-se muito sagaz relativamente às suas capacidades de julgar a conduta humana, incluindo a sua própria, e valorizará a sua renúncia do governo no momento de ser sincero com seu ex-vizinho o mourisco Ricote que por sua vez lhe vai contando segredos muito comprometedores. Fiel ao orgulho que sempre tem demonstrado da sua condição de cristão velho, Sancho vai se negar a participar  na pesquisa do tesouro escondido pelo seu vizinho e não vai ajudá-lo encobrindo-o.  
  
  
Mas se Sancho se mostra capaz de resumir e clarificar os elementos de um problema que lhe é apresentado de modo complexo, a sua solução em tanto que tal aparece-lhe ao relembrar um conselho que lhe tinha dado o seu amo: “eu neste caso não falei pela minha cabeça porque me veio à memória um preceito, entre muitos outros, que me deu o meu amo D. Quixote na noite anterior àquela em que vim ser governador desta ínsula: que foi que, quando a justiça estivesse em dúvida, me inclinasse e cedesse à misericórdia” (O que não é outra coisa senão uma versão do aforismo jurídico «In dubio, pro reo»). Talvez caiba então dizer por uma vez que o sucesso alançado por Sancho pode atribuir-se em boa medida ao próprio Dom Quixote.
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Cervantes serve-se de Sancho como testemunha para relatar feitos que comocionam a vida espanhola de aquele tempo. A expulsão dos mouros ainda não é História, mas actualidade na Espanha filipina, e trata-se de uma questão social e política de envergadura que preocupa particularmente ao autor, que também falará dela no Persiles. É muito original o modo que Cervantes utiliza: Confessando ter chorado aquele dia, Sancho conta a saída dos mouros da sua vila a um deles, ausente naquele dia, e que saberá pelo conto de Sancho como, rodeadas do afecto impotente dos vizinhos,  viveram essa má hora a sua mulher e a sua filha.  
E este, por sua parte, provavelmente deslumbrado pelas notícias que lhe chegam de Barataria, confessa, falando de igual a igual, o pior trato que em comparação ele recebe, fazendo queixa até de um “gateamento” que em muito se parece ao manteamento que na saída anterior tinha recebido o escudeiro, já agora transformado em “amigo” como não se priva de declará-lo ao assinar a sua carta o cavaleiro da triste figura.
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Sancho, calorosamente e com absoluta lealdade a seu amo e também aos duques proclama-se “criado” na missiva a Dom Quixote, sem por isso deixar de assiná-la como “governador”. Agora, as iniciativas que ele tem tomado diferem das anteriores, mais salomónicas mas também burlescas e que fazem parte do mundo ao contrario típico da utopia carnavalesca. Estas novas medidas de índole penal e administrativa são muito parecidas às que, na época se recomendavam aos corregedores para fazer respeitar as leis em vigor, evitar as fraudes, garantir a ordem pública, etc., mas sem esquecer a origem de Sancho que, com certa sanha misógina, castiga as tendeiras, e, especialmente gostaria de condenar à morte aos aguadores de vinho.
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Fechar o capítulo falando nas medidas implementadas por Sancho e o facto de estas ficarem legadas como constituições, envolve num halo mítico de lenda áurea o episódio todo da governação do ignorante-sábio.
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O tratamento da expulsão mantém-se fiel aos feitos, inclusivamente na caracterização das atitudes humanas. Nesse sentido, a história mais interessante talvez seja a do cunhado de Ricote, que representa a posição maioritária do mouro cripto-musulmano, totalmente indefinido religiosamente o que o leva a tentar soluções alternativas à emigração para terras islâmicas, tudo aquilo que era muito comum nos novos convertidos, assim como a piedade católica que é atribuída à mulher e à filha de Ricote, e a integração deste num grupo de pedintes alemães, a dor dos vizinhos, e a força do namoro do morgado rico, que apoia-se aliás em vários escritos que deploram a capacidade de sedução das mulheres mouriscas. Cervantes dá-nos a conhecer o perfil de uma família de novos convertidos e como esta vive o processo de assimilação no momento em que se pratica o desterro. Difícil de esquecer, evidentemente a influência dos anos de cativeiro sofridos pelo autor no momento de narrar um episódio que diz respeito à relação do homem com os outros, a das minorias com a sua terra.
  
  
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[http://cvc.cervantes.es/literatura/clasicos/quijote/edicion/parte2/cap53/default.htm CAPÍTULO LIII]
  
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Edição actual desde as 12h04min de 22 de Junho de 2014


Um projecto do São Luiz Teatro Municipal

comissariado por Alvaro García de Zúñiga, José Luis Ferreira & Teresa Albuquerque



Sessão 51 – Segunda, 24 de Março de 2014, 21:00 – Leitura dos capítulos 52, 53 e 54 da Segunda Parte do Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."


Sancho.jpg


Comentario dos capítulos 52, 53 e 54 da Segunda Parte do Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."


Estes capítulos finalizam a alternância dos anteriores dedicados a DQ ou a Sancho separadamente, e isto por sua vez preanuncia o próximo fim da estancia dos nossos heróis na corte dos duques.


O capitulo 52 como o anterior, começa com uma referencia a Cide Hamete que não parece significativa, mas que, de todos modos serve a que tenhamos presente quem é que está a narrar esta verdadeira história. Mais importante talvez seja o anúncio que DQ começa a meditar em abandonar o castelo e retomar o caminho da andante cavalaria.


Escrito um bocado ao modo dos próprios livros de cavalarias, nos quais a estadia num palácio serve como parêntesis das fantasiosas batalhas e para desenvolver neles as histórias de amor galantes, o modo de Cervantes, como sempre, altera o modelo mas sem deixar de referi-lo, com a aparição de duas mulheres viúva uma, órfã a outra, a pedir reparação e justiça. Trata-se da continuação do episódio de Dona Rodrigues, que parecia já acabado e esquecido: agora a dona faz-se conhecer, e, cumprindo todos os requisitos do género, pronuncia um divertido discurso num estilo que calca aqueles que em semelhantes ocasiões se podem ler nos livros de cavalarias, não deixando de parte nem sequer os arcaísmos, isso sim, agora misturados com expressões vulgares que denunciam a verdadeira condição da demandante. O discurso, pode-se dizer, continua a sua descida e, ao chegar às cartas de Teresa Pança, talvez venha a assinalar a equivalência de classe entre estas mulheres.


A resposta de DQ não pode ficar atrás do tom e do estilo impostos pela dona e assim, num arranque emocional, eleva-se até equiparar-se com a divina providência, para logo rectificar o excesso e voltar a um tom um bocado mais de acordo com as circunstâncias. A exaltação fica em evidência no momento em que aceita rebaixar-se a combater com um vilão, coisa esta fora da ordem da cavalaria.


O duque vê mais uma ocasião que não desperdiçará para fabricar uma nova burla a partir desta inesperada e surreal realidade que se apresenta: prepara-se para a realização de um torneio, mas mais uma vez a acção fica suspensa pela chegada do pajem com as cartas de Teresa Pança. Estas cartas vêm em certo modo também fechar o conjunto epistolar anterior: a carta de Sancho a Teresa no cap.36; a do duque a Sancho no cap.47; a da duquesa a Teresa Pança no cap.50; e as de DQ a Sancho e a resposta deste no cap.51. Toda elas, comportam um certo grau de paródia ao género epistolar, naquele tempo muito apreciado pelos humanistas e os teóricos políticos e filosóficos. Também como nas novelas que contêm epístolas, as cartas servem de reflexão sobre as histórias ou episódios que nelas se inserem, mas nas de Teresa Pança, além destes aspectos paródicos evidentes, Cervantes desenha um quadro de costumes muito realista, desenhando a partir de uma grande sensibilidade social e, partindo da burla habitual que é feita aos rústicos, e não deixando de lado a ilusão e credulidade de Teresa e a sua filha, para chegar depois a outros aspectos da realidade quotidiana: o preço do pão e da carne, a carência de bolotas, a falta de azeitonas e de vinagre em toda a vila.


Outra utilização que faz Cervantes do género epistolar diz respeito a um dos recursos mais importantes e característicos de sua escrita: a descrição dos mesmos feitos desde perspectivas diferentes e às vezes também diferenciadas segundo o destinatário a quem se vai contar. E mais correspondências vai estabelecer o autor a partir das notícias que dá Teresa e que parecem não ter muita importância, assim à do pintor que não domina a sua arte – pequena história moral, que não deixa de ter uma componente social e de classe – segue a das moças que foram levadas pela companhia de soldados, que não deixa de corresponder com o caso da filha de dona Rodrigues, mas que classe social de por meio, no caso das aldeãs pobres, não terá resolução de honra, como vai ter que ser o caso da filha da dona que foi seduzida pelo filho dum lavrador rico o qual apoia o duque.


Cervantes ainda da eco ao sucesso de Sancho através de uma das cartas de Teresa e a seguir a este canto triunfal, muda de tonalidade com o lamento que põe na boca de Cide Hamete que nos adverte que nada perdura e que a vida humana não é mais que vaidade. E assim, durante a sétima noite do seu governo, o barulho da “rebelião” vai acordar duplamente a Sancho. Os gritos, os archotes acesos no meio da escuridão, e com o pretexto de equipá-lo para o combate, a sua imobilização, a queda e o caminharem-lhe por cima – coisas estas muito mais terríveis que o manteamento que tanto tinha feito sofrer o escudeiro e do qual tanto se tinha queixado e falado na primeira parte, dão lugar à decisão – esta sim, irrevogável – de abandonar o governo e a ínsula imediatamente, coisa que faz sem contemplações e sem seguir nenhuma das consignas que lhe são solicitadas, que aliás correspondem ao sistema de corregimentos da época. A resposta de Sancho é simples e contundente: ele não tem que aceitar nenhuma inspecção, porque vai-se embora tão pobre quanto chegou.


Ridiculizado e até cosificado não só pelos seus “governados” senão até pelo narrador, pode-se ler entrelinhas uma visão espiritualista que transfigura o fracasso em trunfo: ao chegar o sétimo dia Sancho vai ter finalmente direito ao repouso. Com humildade, com santidade até, abandona o poder terreno, renuncia à ambição mundana e mostra-se assim finalmente sublime, não só pela sua renúncia, Senão pela sua actuação como provedor de justiça, muito por cima da dos governantes da realidade: Sancho não se enriqueceu.


Além da utopia carnavalesca que representa todo o episódio de Barataria, o desenlace também pode ter uma leitura militar: Bom juiz e administrador, Sancho mostra-se mau capitão, incapaz de enfrentar-se com uma rebelião armada. Confirmando nesse sentido a ideia expressa por DQ no seu famoso discurso da primeira parte (I, 37-38), no qual diz que o valor guerreiro é insubstituível. A colisão entre o enfoque da utopia carnavalesca e o discurso das armas e das letras, inclusivamente quando a renúncia de Sancho significa um regresso à ordem normal das coisas, representa uma certa mordacidade satírica contra o afã de lucro frequente e também contra a pretensão dos letrados da época de usurpar cargos que, segundo DQ e o próprio Cervantes correspondem aos próprios soldados.


De todos modos encontramo-nos no momento mais alto da evolução de Sancho como pessoa. Ele acaba de mostrar-se muito sagaz relativamente às suas capacidades de julgar a conduta humana, incluindo a sua própria, e valorizará a sua renúncia do governo no momento de ser sincero com seu ex-vizinho o mourisco Ricote que por sua vez lhe vai contando segredos muito comprometedores. Fiel ao orgulho que sempre tem demonstrado da sua condição de cristão velho, Sancho vai se negar a participar na pesquisa do tesouro escondido pelo seu vizinho e não vai ajudá-lo encobrindo-o.


Cervantes serve-se de Sancho como testemunha para relatar feitos que comocionam a vida espanhola de aquele tempo. A expulsão dos mouros ainda não é História, mas actualidade na Espanha filipina, e trata-se de uma questão social e política de envergadura que preocupa particularmente ao autor, que também falará dela no Persiles. É muito original o modo que Cervantes utiliza: Confessando ter chorado aquele dia, Sancho conta a saída dos mouros da sua vila a um deles, ausente naquele dia, e que saberá pelo conto de Sancho como, rodeadas do afecto impotente dos vizinhos, viveram essa má hora a sua mulher e a sua filha.


O tratamento da expulsão mantém-se fiel aos feitos, inclusivamente na caracterização das atitudes humanas. Nesse sentido, a história mais interessante talvez seja a do cunhado de Ricote, que representa a posição maioritária do mouro cripto-musulmano, totalmente indefinido religiosamente o que o leva a tentar soluções alternativas à emigração para terras islâmicas, tudo aquilo que era muito comum nos novos convertidos, assim como a piedade católica que é atribuída à mulher e à filha de Ricote, e a integração deste num grupo de pedintes alemães, a dor dos vizinhos, e a força do namoro do morgado rico, que apoia-se aliás em vários escritos que deploram a capacidade de sedução das mulheres mouriscas. Cervantes dá-nos a conhecer o perfil de uma família de novos convertidos e como esta vive o processo de assimilação no momento em que se pratica o desterro. Difícil de esquecer, evidentemente a influência dos anos de cativeiro sofridos pelo autor no momento de narrar um episódio que diz respeito à relação do homem com os outros, a das minorias com a sua terra.


AGZ

23 de Março de 2013




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links úteis :

CAPÍTULO LII

CAPÍTULO LIII

CAPÍTULO LIV


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Sessões

2011

20 SET, 4 OUT, 25 OUT, 15 NOV, 29 NOV, 13 DEZ

2012

24 JAN, 7 FEV, 28 FEV, 13 MAR, 27 MAR, 10 ABR, 24 ABR, 8 MAI, 22 MAI, 5 JUN, 19 JUN, 3 JUL, 25 SET, 09 OUT, 23 OUT, 06 NOV, 13 NOV, 27 NOV, 11 DEZ

2013

08 JAN, 22 JAN, 05 FEV, 19 FEV, 5 MAR, 19 MAR, 2 ABR, 16 ABR, 30 ABR, 14 MAI, 28 MAI, 18 JUN, 2 JUL, 9 JUL, 30 SET, 14 OUT, 28 OUT, 18 NOV, 2 DEZ, 16 DEZ

2014

13 JAN, 27 JAN, 10 FEV, 24 FEV, 10 MAR, 24 MAR, 14 ABR, 28 ABR, 12 MAI, 26 MAI, 9 JUN, 23 JUN, 7 JUL, 21 JUL


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