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Yo he dado en Don Quijote pasatiempo
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al pecho melancólico y mohíno  
 
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en cualquiera sazón, en todo tiempo…
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'''Cervantes'''
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Cervantes
  
 
'''''Viaje del Parnaso'''''.
 
'''''Viaje del Parnaso'''''.

Revisão das 20h33min de 23 de Fevereiro de 2014


Um projecto do São Luiz Teatro Municipal

comissariado por Alvaro García de Zúñiga, José Luis Ferreira & Teresa Albuquerque



Ronda nocturna.jpg



Sessão 49 – Segunda, 24 de Fevereiro de 2014, 21:00 – Leitura dos capítulos 48 e 49 da Segunda Parte do Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha."



Yo he dado en Don Quijote pasatiempo

al pecho melancólico y mohíno

en cualquiera sazón, en todo tiempo…

Cervantes

Viaje del Parnaso.



No original, Cervantes começa o capítulo 48 da segunda parte do Quixote assinalando mais uma vez que a passagem entre dois episódios não coincide necessariamente com a divisão dos capítulos. Neste caso, "además", Cervantes, que começa justamente por este mesmo adverbio, faz alusão directa ao comentário que ele mesmo tinha feito nos versos 22 a 24 do quarto capítulo do seu Viaje del Parnaso. Se faltasse ainda alguma prova do monumental puzzle de materiais e (auto)referencias com o qual o autor compus este livro ímpar, fique aqui mais uma pequena amostra.


O recurso a digressão, además, mostra também a autonomia que Sancho tem ganhado nesta segunda parte da obra, até chegar a plena independência nestes capítulos referentes a ínsula Barataria. Sem ele, o seu lugar será neste capítulo ocupado pela Dona Rodrigues, e o capítulo todo será composto como se de um passo de entremez se tratasse. E não faltara nele nenhum dos ingredientes com os quais estes eram construídos, nem a lembrança clássica aos amores, nem a critica as donas, nem as figuras estranhas e tipificadas, e nem sequer o final a escuras e o enxerto de porrada.


Además, ainda há mais: sobre esta teia, Cervantes, pinta ainda certos elementos essenciais e característicos de toda a obra. Assim, o cavaleiro que espera ver-se confrontado com Altisidora para encontrar-se frente a uma Dona que por sua vez confunde com uma aparição diabólica reflecte perfeitamente o contraste entre a imaginação e a realidade, e bem que possa parecer atenuado, não difere em muito com quem confunde rebanhos com exércitos ou molinhos com gigantes.


Cervantes não se priva, nem nos priva a nos, de incluir dentro desta historia outras historias e situações que ficam nela encaixadas, como é o caso de, dentro da historia d Dona e a da filha que ela vai-nos contar, incluir a do marido, ou a do aguazil, dando com isto, además, um ar de sucesso real àquilo que é referido. Também não deixa de tocar no tema das relações entre classes sociais, assunto este que reaparece uma e outra vez de maneira mais ou menos explícita e especialmente neste período no palácio e, dentro deste, aquele que é o da estancia de Sancho na ínsula. Tudo um jogo de caixas chinesas onde as coisas e os temas e assuntos se encaixam os uns nos outros.


Neste caso, Cervantes chega incluso a referir a cumplicidade e aliança entre a nobreza e o campesinos ricos, tema típico de boa parte do teatro da época, ao fazer-nos saber que o duque não intervenha na demanda de Dona Rodrigues devido a que o pai do sedutor da filha «le presta dineros y le sale por fiador de sus trampas...».


Además, o que no começo da obra parecia afectar só a Sancho, a saber o contagio da loucura de Dom Quixote, parece ir afectando já agora em maior ou menor medida a todos aqueles que de um modo ou outro se relacionam com o nosso cavaleiro. Como já sabemos uns intentando fazer voltar o herói a realidade, outros com a escusa das burlas, e outros ainda, como Dona Rodrigues, quase que directamente: dir-se-ia que a loucura de Dom Quixote atrai e revela outras loucuras e com isto parece como se a realidade de mais em mais coincidisse com a loucura e paradoxalmente só a mistura de ambas permitisse encontrar uma solução positiva aos assuntos, aquilo que hoje chamamos sustentabilidade...

Chegamos assim a ronda nocturna de Sancho. Com ela, no capítulo 49 Cervantes volta a encontrar-se uma vez mais com o problema de como fazer para dar credibilidade ao facto de ter que atribuir ao iletrado escudeiro uma linguagem que dificilmente lhe seria natural. E outra vez encontra uma solução brilhante e original: “Todos los que conocían a Sancho Panza – nos diz Cervantes – se admiraban oyéndole hablar tan elegantemente y no sabían a qué atribuirlo, sino a que los oficios y cargos graves o adoban o entorpecen los entendimientos”. E uma vez mais, o autor que já tinha passado por encontrar até “soluções apócrifas” e de atribuição duvidosa, consegue surpreender-nos com o seu leque de invenções, sempre geniais e únicas. O tema da ronda já aparecia em alguma novela picaresca e em alguns entremezes, nestas obras as rondas dão lugar a uma profusão de burlas que sofrem guardas e alguazis de justiça que neles se encontram. Dos três casos que Cervantes expõe na Barataria, só parece fazer referencia a esse mundo o cómico dialogo entre o governador e o jovem “tecelão de ferros de lanças” – expressão esta alias, que muito provavelmente tenha conotações eróticas sobre tudo que depois faz referencia a um provável futuro encontro nessa saída a “apanhar ar” a qual o moço se dizia destinado.


Um tom muito diferente tem os outros dois o do jogador ganancioso e o terceiro, o mais desenvolvido deles todos e que não deixa de relembrar até na sua apresentação as historias e aventuras novelescas. A linda jovem vestida de homem, tão referenciada em toda a literatura da novela de aventuras e dos comediógrafos da época – basta pensar no próprio Cervantes do Persiles e no Shakespeare da maioria das suas comedias – tal vez tente fazer o leitor predispor-se a algum enredo sentimental ao estilo do de Dorotea. Assim,. Incluso, parece entender-lo o próprio Sancho – «¿...no os ha sucedido otro desmán alguno, ni celos, como vos al principio de vuestro cuento dijistes, no os sacaron de vuestra casa?» – mas não haverá tal e a aventura à qual podia esperar encontrar-se o leitor revela-se uma simples escapadela infantil : Barataria finalmente não é o mundo do revês nem a ilha da Utopia, nem tão pouco um lugar no qual se de nascimento a quaisquer aventura ou enredo literário.

Uma última remarca, muito pessoal e sem nenhuma base de sustentação: e não será a ronda nocturna de Sancho que em certo modo tenha dado origem ao maravilhoso quadro de Rembrandt pintada por volta de 1640-42? A pesar do serio ao que a célebre pintura parece referir, o facto de nele se encontrar só uma jovem – que disse-se poder ser o retrato da primeira mulher do artista morta de tuberculose nesse mesmo ano de 42 – entre todos os homens finalmente bem poderia ser uma ligeira pista. E nos conhecemos muito bem e já temos falado muito das maravilhosas edições tempranas do Quixote em flandres...


AGZ

23 Fevereiro 2013.




***


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