Um projecto do São Luiz Teatro Municipal

comissariado por Alvaro García de Zúñiga, José Luis Ferreira & Teresa Albuquerque


Sessão 43 – Segunda 18 de Novembro de 2013 – Leitura dos capítulos 33 e 34 da Segunda Parte do Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de la Mancha.


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Comentário:


Os capítulos que se seguem são fundamentais para o desenvolvimento de um dos temas principais da segunda parte: o encantamento de Dulcineia. Até agora só DQ e Sancho tinham participado no assunto. Sancho enquanto autor da burla que tinha feito ao seu amo nas cercanias do Toboso, e DQ enquanto testemunha – ou também autor, segundo se quiser considerar – dos acontecimentos da cova de Montesinos. Mas agora a duquesa, em conversação “privada” com o escudeiro, saberá de estes acontecimentos recentes – ou seja dos quais ela não tinha lido – e a partir desta situação, Cervantes desenvolvera um inesperado relançamento do tema. Ao mesmo autor do engano, a duquesa fará acreditar que a burla não foi invenção sua, transformando todo o discurso de modo a afirmar que a tosca campesina era realmente a própria Dulcineia.


Também neste capítulo Cervantes espalha o repertório linguístico e humorístico dos “voquiblos” de Sancho, os disparates dele e da dona acerca do rucio, uma serie de disparatados jogos de palavras, e a já típica “espetada de refrães, ditados populares e frases feitas, por vezes tradicionais, por vezes especificamente sanchopançescas. Note-se que o gozo que isto da duquesa não faz Senão reflectir o gosto do leitor meio da época. Cervantes põe em evidencia a rusticidade do falar de Sancho frente a uma personagem cuja classe social exigiria grande respeito e formalidade da parte dos seus inferiores.


Pense-se que segundo o Pinciano, autor da muito influente Philosophía antigua poética (1596), era impróprio que um lacaio pronunciasse a palabra “jarro” diante do rei, por ser esta demasiado prosaica. Imagine-se então o efeito que causaria ao leitor daquele tempo o passo no qual Sacho suplica a duquesa de se ocupar do seu burro.


Podemos também neste capítulo vislumbrar a grandeza do carácter de Sacnho, e isto prepara o que ser o Sancho governador. Trata-se da declaração de lealdade e carinho para com DQ a pesar de tê-lo por louco. A mistura de cobiça, cepticismo e fé ingénua que caracterizava a atitude de Sancho na primeira parte, foi trocada por um sentimento consciente de solidariedade, baseado no reconhecimento de tudo aquilo que os une, incluso o facto de compartir a mesma fortuna literária.


As farsas que encontramos a seguir, que continuarão durante ainda muitos capítulos não são só impressionantes espectáculos teatrais mas também imitam em muito as festas palacianas com torneios, fogos artificiais, mascaradas, comedias ao ar livre, batalhas fingidas, etc. Habituais na alta sociedade do renascimento e barroco e mito frequentes na península ibérica da época. Incluso as próprias figuras de Dom Qiuxote e Sancho Pança foram incorporadas a esse tipo de eventos pouco depois da publicação da primeira parte do Quixote.


A farsa que se seguira posta em acção por “Merlim” no capítulo 35 tratará do desencantamento de Dulcineia, mas a diferença das procissões e mascaradas das festas palacianas da época o método para obter o desencantamento são absurdos e do modo em estes serão negociados darão uma forma de poder a Sancho sobre o seu amo que só acabará muito perto do final da obra.

AGZ



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