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No episodio que vamos começar na próxima sessão, Cervantes – a pesar das dúvidas explicitadas no capítulo terceiro, relacionadas com a inclusão de novelas cortas dentro do relato – volta a utilizar a técnica a qual já nos tinha habituado na Primeira parte, mas agora de um modo aperfeiçoado, já que estas novelas ou historias secundarias passam a integrar a trama do relato principal.
 
No episodio que vamos começar na próxima sessão, Cervantes – a pesar das dúvidas explicitadas no capítulo terceiro, relacionadas com a inclusão de novelas cortas dentro do relato – volta a utilizar a técnica a qual já nos tinha habituado na Primeira parte, mas agora de um modo aperfeiçoado, já que estas novelas ou historias secundarias passam a integrar a trama do relato principal.

Revisão das 22h50min de 10 de Junho de 2013


Um projecto do São Luiz Teatro Municipal

comissariado por Alvaro García de Zúñiga, José Luis Ferreira & Teresa Albuquerque


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No episodio que vamos começar na próxima sessão, Cervantes – a pesar das dúvidas explicitadas no capítulo terceiro, relacionadas com a inclusão de novelas cortas dentro do relato – volta a utilizar a técnica a qual já nos tinha habituado na Primeira parte, mas agora de um modo aperfeiçoado, já que estas novelas ou historias secundarias passam a integrar a trama do relato principal.


Iremos assistir assim às bodas do rico Camacho, mas o nosso autor não deixa outra vez mais de surpreender transformando o episodio pastoril numa adaptação complexa e inesperada de uma variação – muito provavelmente da sua própria invenção – da historia de Píramo e Tisbe. A historia dos amores de Quitéria e Basílio, que nos é assim contada, sai do molde tradicional da fábula que, vale a pena relembrar, é o seguido por Shakespeare na tragédia de Romeu e Julieta.


Sancho e o seu mal falar, por sua parte, conduz a uma discussão sobre o tema, durante a qual Dom Quixote é levado a afirmar que “la discreción es gramática del buen lenguaje”. O debate deriva numa reflexão sobre as relações entre natureza e arte, que termina pelo triunfo deste pois permite melhorar a primeira. Esta ideia sublinha-se no desafio dos estudantes, do qual resulta vencedor não o mais forte senão o que domina o uso da espada, arte à qual sumam-se a discrição e a destreza, temas estes que conhecíamos já tendo sido tratados dez anos antes na primeira parte do Quixote, e que tal vez Cervantes quis por de relevo justamente ao mesmo tempo que narrativamente nos faz voltar a técnica literária que tinha posto em causa ao começo desta segunda parte.


Também a arte está presente na transformação do prado onde vira a ocorrer o casamento. E não só: e pela industria da arte que Basílio conseguirá triunfar e modificar o curso natural dos acontecimentos... A seguir vemos Sancho como se fosse pintado pelo Brueghel bebendo vinho e saciando sua fome ancestral com uma voracidade carnavalesca. O campesino pobre que é tinha-se primeiro inclinado a favor de Basílio na disputa da bela Quitéria, mas a abundância alimentar da boda leva-lo a mudar de parecer e defender o ponto de vista do rico Camacho. E Dom Quixote seguira justamente o caminho oposto, num jogo de reversibilidade com o qual Cervantes mais uma vez parece querer dar-nos a entender a importância que da e que tem nesta historia a mudança de perspectivas e a complexidade da realidade.


O artificio continua a traves dumas danças faladas alegóricas nas quais Cupido e o Interesse lutam por uma donzela. O significado, esta vez é simples de compreender: Amor já não é o deus que triunfa sobre todos os obstáculos ao que Petrarca nos tinha habituado, este foi substituído pelo dinheiro, esse “poderoso cavaleiro” que já na Espanha em crise de finais do século anterior – e estamos a falar do século XVI – todo submete a sua lei. Bem se tem apercebido Sancho, que sabe tirar a lição do episodio dizendo-nos que só há duas linhagens no mundo: a de ter e a de não ter...


Chegamos assim ao fim da cena que, montada como se de um verdadeiro espectáculo teatral se tratasse, transforma-se em comedia que até tem uma tonalidade paródica que não se pode adivinhar no principio. O triste Basílio, qual novo Cardênio, não pode Senão ter o funesto destino de Grisóstomo, e quando já ao borde da morte, por piedade, consegue casar com Quitéria de modo a morrer tendo sido feliz ao menos nos últimos instantes da sua vida, o rapaz surpreende a todos levantando-se, o que leva aos pressentes a dizer “Milagre! Milagre!”, e ele a contestar “Milagre, milagre, não, mas indústria, indústria!”. Trata-se, claro, do triunfo de Amor sobre o Interesse...


Agustín Redondo faz notar que os nomes de Quitéria e Basílio referem a santos que por sua vez referem ao desenrolar dos acontecimentos, o que já não nos surpreende na complexa trama a que Cervantes nos tem habituado. Mas o facto que o nome do rico e “desilustre” Camacho tem uma correspondência que anula a sua virilidade e o irmã ao Capacho do “Retablo das Maravilhas” que dentro de umas semanas iremos ler.

AGZ


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